Olá,
pessoal. Primeiramente eu gostaria de me apresentar. Meu prenome é Chato e meu
sobrenome é Chatice. Sou um autêntico herdeiro da família dos chatos e tenho
orgulho de pertencer. Bom, sendo sincero, às vezes esta herança me causa alguns
inconvenientes, pois seria melhor gostar de tudo e me incomodar menos com as
coisas chatas da vida, mas de forma alguma sinto vontade de renegar meus laços
familiares. Eu jamais poderia desdizer mamãe, que desde que eu era pequeno me dizia
“você é um chatinho”. Ela tinha razão
e até hoje agradeço de coração à mulher extraordinária que ajudou a construir o
meu caráter fundamentado no que há de mais profundo na natureza da chatice.
E agora
que todos vocês já sabem que este que vos escreve é um chato, – mais do que de
carteirinha, mas de sangue – fiquem sabendo também que pouquíssimas coisas
desta vida o agradam e que uma dessas poucas coisas – mesmo sem saber explicar
muito bem o porquê – é a literatura.
Então
aconteceu que o Chato Chatice, eu, resolvi visitar a Bienal do Livro no Rio de
Janeiro. A decisão foi difícil de ser tomada porque, afinal, é chato sair de
casa e perder um dia do final de semana com programas que me fazem sair da
rotina, – rotina esta que, aliás, também é chata à beça – mas para ir à bienal
valeria a pena... É um encontro literário que atrai pessoas de todo o Brasil,
teria todos os títulos que eu poderia imaginar, uma oportunidade para conhecer
meus amigos autores, enfim, eu tinha que ir.
A
visita aconteceu no dia sete de setembro, aquele feriado chato de independência
do Brasil, onde se faz uma palhaçada chata qualquer pra comemorar a data mais
mentirosa da qual se tem notícia. E pra piorar, no dia sete de setembro deste
ano ainda havia uns chatos protestando e quebrando tudo. Perdoem-me os que
gostam de desfile militar – tocando Anitta ou não – e os que gostam de
manifestações populares, mas eu não gosto. Lembrem-se que eu sou um chato que
não gosta de (quase) nada. Isto está no sangue, relevem, por favor.
Eu não
queria ir sozinho, afinal, é chato sair sozinho de casa. Um mala de um amigo
meu disse que ia comigo, mas furou com uma desculpa esfarrapada. Então a chata
da minha mulher foi. (Amor, você é chata, mas eu te amo. Afinal, mulher de
chato, chatinha é). E lá fomos nós... E assim começou a saga...
Quem já
foi à Barra da Tijuca sabe como o trânsito de lá está cada vez mais
deliciosamente chato. É uma “maravilha” demorar horas pra percorrer poucos
quilômetros. Em dia de bienal, então, o trânsito simplesmente se transforma em
algo tão chato que nem mesmo eu, o mestre da chatice, consigo descrever.
Era
como se todos os carros do Rio de Janeiro, quiçá do Brasil, resolvessem passear
na Barra, mais especificamente, passear nos arredores do Rio Centro. A vida de
chatice me ensinou uma coisa: Murphy não criou uma regra – que admite exceções
– ele criou uma lei e sendo lei, não há exceção, portanto, o inevitável
aconteceu: o que já estava ruim piorou.
Quem me
conhece sabe do meu sentimento pelo funk carioca... Contra este estilo de meia-música (considerem este adjetivo
uma espécie de elogio), eu reúno todas as minhas forças chatídicas para
abominá-lo até a exaustão. Aqueles que gostam de funk, peço mais uma vez que
relevem minha chatice. Aliás, não relevem coisa nenhuma. Quem gosta de funk
faça-me o favor de se mudar para Plutão e livrar os meus ouvidos desta
mer... Digo, desta meia-música
(prometo que qualquer dia escrevo algo para explicar por que considero o funk
uma – no máximo – meia-música).
Voltando
ao assunto, o que já estava ruim, obviamente, piorou. As janelas do meu carro
estavam fechadas, o rádio ligado em um bom volume e ainda assim eu fui
fortemente importunado por um sujeito que ouvia às alturas meia-música em seu carro. Meu alento é que ele ficará surdo antes
dos 50. Minha tristeza, desespero e agonia foi ficar 55 minutos e 47 segundos
(isso mesmo, tempo contado. Só não deu pra pegar os centésimos, infelizmente.),
só ouvindo aquela m... Meia-música.
Eu não era capaz nem mesmo de ouvir minha mulher tagarelar (tudo tem um lado
bom). Berrei para minha mulher e pela careta que ela fez, acho que ela ouviu:
– Se
este filho de uma... Entrar na bienal, eu volto pra casa.
Era
verdade, juro. Se aquela criatura fosse à bienal... Que tipo de lugar é esse
que pessoas como aquela poderiam freqüentar? Não era possível um chato como eu
– repito: mais do que de carteirinha, de sangue – ficar no mesmo ambiente que
um energúmeno que escuta uma música que pede para que um poste caia na cabeça
dele (essa foi a única meia-música
que consegui entender a letra, acho que porque eu já a conhecia desde a
adolescência, infelizmente). Eu olhava para os postes, os postes olhavam pra
mim, eu olhava para os postes, os postes olhavam pra mim, eu olhava para os
postes... E nem sequer um deles, nem unzinho, foi capaz de realizar o desejo do
meio-cantor, infelizmente.
Eu
tentava costurar o trânsito (meio-trânsito?)
pra me afastar do inimigo, tentava ficar mais devagar até ouvir buzinas
impacientes atrás de mim e nada disso fazia aquela meia-música se afastar. Era uma praga, uma doença, estava em todo
lugar. Cheguei até mesmo a colocar a roda dianteira esquerda sobre o canteiro
central pra fazer uma bandalha e
voltar pra casa, mas a minha mulher docilmente disse que se eu fizesse aquilo
ela faria dois meses de greve. Convenceu-me.
Se eu
fui à bienal, então vocês já sabem, o funkeiro
não foi. Em algum momento ele desapareceu. A sensação foi como contemplar
um céu azul após uma tempestade. Cheguei à entrada do primeiro estacionamento e
pra garantir (lembrem-se do Murphy) perguntei a um guarda se era ali mesmo. O mui amigo guarda municipal me informou
que era ali sim, mas estava muito cheio e que seria melhor eu seguir um pouco (atentem-se, ele falou um pouco) mais à frente que havia um
outro estacionamento mais vazio. Ótimo,
obrigado.
O “um pouco mais à frente” do nosso guarda mui amigo, significou mais 37 minutos 49
segundos e 97 centésimos (isso mesmo, tempo contado. Só não consegui pegar os
milésimos, infelizmente) de engarrafamento (dessa vez sem o funk, tudo tem um
lado bom). E finalmente... Entrei no estacionamento! E vocês já sabem como é
achar uma vaga em um grande evento ou num shopping e eu nem preciso entrar em
detalhes sórdidos, não é mesmo? E se aquele papo do mui amigo de que o primeiro estacionamento estava muito cheio e que
o “mais a frente” estaria vazio fosse verdade, eu sinceramente, de todo o
coração, não quero nem imaginar como estava o primeiro.
Bom,
foi difícil achar vaga, admito, foi duro chegar ao estacionamento, não contesto,
mas pelo menos o estacionamento custava APENAS, nada mais, nada menos que R$
18,00, eu disse DEZOITO REAIS. Tranqüilo, um preço justo e popular, digno de um
evento cultural, não concordam? Mais barato que um táxi, eu acho, talvez, não
sei, tenho dúvidas, não estou certo. O certo é que fui obrigado a pagar os
dezoito reais. Paguei na saída, porque na chegada, a fila no guichê era um
insulto.
E lá
vamos nós entrar na bienal. Tem que pagar
para entrar também? Sim, tem que pagar. Mais uma fila básica, aliás, básica
porcaria nenhuma, uma fila desgraçada. Mas pelo menos o ingresso era
baratinho... Baratinho? Mais uma piada. – Pausa para o Ctrl+C + Ctrl+V: nada
mais, nada menos que R$ 18,00, eu disse DEZOITO REAIS. Tranqüilo, um preço
justo e popular, digno de um evento cultural, não concordam?
Pagamos
e entramos. Quem está na chuva é para se molhar. Depois de mais de duas horas
do início da aventura, estávamos no pavilhão verde, corredor Q. Fui direto no
estande Q29 onde eu sabia que estavam sendo vendidos livros de amigos meus que
eu queria comprar para prestigiar, além de acreditar que os livros tinham um
conteúdo que valeria a pena. Entretanto preciso também fazer aqui a minha
crítica ao estande Q29. Não havia desconto nenhum, ZERO. Comprei dois livros e
queria comprar um terceiro caso eu recebesse algum desconto, mas não rolou. Sem
descontos, sem meus contos. Deixei de comprar um livro de fantasia que eu
queria ler. E por falar em contos, os livros que comprei dos Ases da Literatura
têm contos excelentes. Para quem se interessar, eu posso passar os pontos de
venda.
Eu
esperava também encontrar algum amigo ali no Q29, mas não encontrei ninguém.
Infelizmente.
– Estou
com fome, preciso comer – disse minha mulher.
Concordei.
Paramos no primeiro quiosque que encontramos. Vendia pizza. Pedi duas fatias e
dois refrigerantes. As fatias eram dois quadradinhos. Quando eu digo quadradinhos, não é porque é fofo falar
no diminutivo, mas porque eram verdadeiros pedacinhos, muito pequenos, uma
mistureba mal feita de mozarela, massa sem gosto e óleo de cozinha. Mas pelo
menos era barato, certo? Vocês já sabem: ERRADO. Cada singelo quadradinho
custava nada mais, nada menos que R$ 10,00, eu disse DEZ REAIS. Somando o gasto
com os refrigerantes, lá se foram R$ 28,00 num lanchinho. Pelo preço, pelo
paladar e pelo habitat, a sensação era de estar comendo um livro, literalmente.
Outra
saga foi encontrar um lugar para comer sentado! De onde veio toda aquela gente
esfomeada? Minha mulher quase saiu no tapa com uma velhinha para conseguir um
lugar e como não havia um árbitro para decidir qual delas havia chegado
primeiro, dividiram a mesa. A senhora era idosa, mas minha esposa está
gestante. Fiquei de pé.
Devidamente
(quase) alimentados, fomos explorar a tão falada bienal. Era gente pra tudo
quanto é lado. Mas muita gente mesmo. Fiquei otimista ao ver tantas pessoas
ali. Será que o Brasil tem jeito? Um povo que valoriza a cultura, é um povo
feliz. Só que não. Estava absolutamente claro que grande parte estava ali só
pra postar foto no Facebook pra dizer que foi. Mas nem vou entrar nesse mérito.
Vamos mudar de assunto.
Meu
objetivo então passou a ser um objetivo idiota: tirar uma foto no trono de
ferro lá na editora Leya. Para quem não sabe, o trono de ferro é o símbolo
central dos excelentes livros de fantasia de George R.R. Martin, As Crônicas de Gelo e Fogo. Quem não
leu, recomendo fortemente que Leya, corrigindo, leia (piada de A praça é Nossa,
mas não resisti). Cheguei ao trono e a fila dava voltas e mais voltas. Chega de
fila por hoje. Maldita HBO que fez a série se popularizar. Deixa pra lá essa
palhaçada de tirar foto no trono. Por favor, nunca é demais lembrar, relevem,
eu sou o Chato Chatice. E agora peço que relevem mesmo, tudo bem, amigos? Nada
de se mudarem para Plutão, senão eu vou ficar... Não, essa piadinha eu me
recuso a fazer.
Entramos
na editora Record, um estande gigantesco. Grande fila pra entrar, diga-se de
passagem. Lá eu encontrei diversos livros interessantes e tinha uma boa
promoção: compre 3 e ganhe 30% de desconto. Seria lindo, se não fosse a mais
pura mentira. Os preços estavam inflacionados. Caros mesmo. Os livros que
comprei (ah, eu tinha que comprar, não poderia ter ido à bienal sem comprar
pelo menos uns cinco livros) estavam mais caros lá e com o desconto ficavam num
patamar de preços facilmente encontrados numa busca no Bondfaro. Tudo ali era
uma balela, um engana trouxa, engana eu.
Quando
fui pagar os livros que escolhi, veio a “pegadinha”.
Havia uma fila serpenteando o caixa e eu entrei no final dela para
imediatamente ser cutucado pelo segurança da loja que apontou para fora do
estande e disse:
–
Amigo, o final da fila é lá fora.
–
Desculpe, não sabia – Disse eu, enquanto seguia para o local correto.
O mui amigo segurança esqueceu de me preparar
para o golpe que eu receberia ao olhar para fora. Havia nada mais, nada menos
do que centenas, eu disse CENTENAS, de pessoas naquela fila. O estande deveria
ter uns 30 metros ou mais de extensão e as pessoas davam três voltas pelo
corredor que margeava o estande. Incrível! Foram 42 minutos 11 segundos, 68
centésimos e 746 milésimos (dessa vez tive que contar até os milésimos) naquela
fila para comprar três livros. Depois disso só posso desejar que esses livros
sejam os melhores livros já publicados na história humana.
– Amor,
vamos para casa? – Perguntou minha esposa.
Eu juro
que nunca ouvi nada mais doce e mais agradável dos lábios da minha amada. Nunca
amei tanto minha mulher quanto naquele momento em que ela me convidou para
voltarmos para casa. Só que para isso ainda precisávamos nos esgueirar pelos
estandes, atravessar o pavilhão azul, depois o verde, desviar de milhares de
pessoas alopradas que não sabem andar em linha reta, usar o banheiro (até que
não tenho nada a reclamar dos banheiros. Tudo tem um lado bom) e depois, o mais
importante: pagar o estacionamento!
A fila
do estacionamento estava pequena (incrível!), somente umas trinta pessoas na
nossa frente (o bom de ficar o dia inteiro em filas, que a gente acaba se
acostumando). Mas havia um probleminha: apenas uma pessoa atendendo. Eu disse
UMA pessoa atendendo. Nada mais justo, já que o estacionamento tinha um
precinho popular, o evento não teria condições financeiras para arcar com
gastos tão supérfluos como a contratação de mais pessoas para trabalhar nos
guichês vazios, não é mesmo? Fiquei na fila por 17 minutos e... Desisti de
cronometrar o resto porque, enfim, era hora de ir pra casa! E fui! Adeus
bienal, adeus!
Amigos e mui
amigos meus. Lembrem-se que me chamo Chato Chatice. Sou o tipo de pessoa
que diz que ir à praia seria bom se não fosse o sol, a areia e a água salgada.
Então Jamais, eu disse JAMAIS me chamem para voltar a uma bienal. Sinceramente,
eu paguei (e caro) para ser sacaneado. Se forem lançar um livro, o façam numa
livraria, eu vou e ainda compro. Se quiserem um encontro literário, combinamos
em um café, ou outro lugar aprazível. Daqui pra frente eu continuarei comprando
livros em qualquer lugar, mas em uma bienal? Na na ni na não... Nunca mais! Nem
que a alternativa a isso seja ouvir meia-música
para o resto da minha vida. Aliás, pensando bem, diante dessa difícil decisão,
volto contente a uma bienal.