Eu me lembro de muitas coisas da minha mais tenra infância,
muitas mesmo. A imagem em movimento mais antiga que habita a minha memória
consciente é uma em que eu chego num salão e vejo um grande desenho de um
macaco em um papel colado na parede e debaixo do macaco tinha uma cadeira. Eu
fui correndo, subi na cadeira e pousei pra uma foto. A foto está lá guardada
até hoje e acho que ela ajudou a fazer com que essa memória ficasse gravada,
pois de tempos em tempos, sempre que eu via a foto, a memória era reativada.
Quantos anos eu tinha? Apenas um ano. Aliás, esse macaco era parte da decoração
da festa do meu primeiro aniversário.
E posso citar várias outras memórias muito antigas, de viagens
que fiz quando eu tinha apenas dois anos (lembro em especial de uma para
Teresópolis, onde havia uma bota azul que eu calçava, um papai me ajudando a atravessar
um rio que não molhava meus pés, pois estavam protegidos pela bota azul), de lembranças
vivas do meu avô que morreu quando eu tinha 4 anos, da minha mãe amamentando
meu irmão que é só dois anos mais novo que eu e uma em especial que é o motivo
de eu estar aqui falando dessas memórias: o dia em que eu cismei, me debrucei
sobre a pia da cozinha pra poder arremessar minha chupeta na lixeira. Minha mãe
me disse que larguei a chupeta com 3 anos, então essa cena ocorreu em 1982. E o
engraçado dessa memória é que não lembro apenas do ato em si, do descarte de um
objeto querido, lembro do meu sentimento de ter jogado minha querida chupeta
azul fora. “Por que eu fiz isso? Eu não
queria jogar fora! Buá!” Sim, chorei, pois deu uma sensação horrível de
vazio e arrependimento! E agora, o que
será de mim sem a minha “pepetinha”? Tinha visita lá em casa. Lembro-me de
gente – que não eram meus pais, acho que era o Marcio, padrinho do meu irmão,
mas provavelmente ninguém, além de mim, vai lembrar desse dia pra confirmar ou
não minha versão da história – me falando: “parabéns,
isso aí, já é um rapazinho”, coisas do tipo.
Então minhas memórias sobre a chupeta são: 1) Subi na pia e
joguei a chupeta na lixeira; 2) Ela era azul e o bico era amarelo; 3) Pessoas lá
em casa me incentivaram a fazer o descarte e não foram só os meus pais; 4) Eu
me senti muito arrependido e chorei. E depois, durante o resto da minha vida,
eu senti a mesma coisa algumas outras vezes, um vazio após largar algo que eu gostava muito, mas
precisava largar para o meu bem. Foram elas: a) Quando larguei
jogos viciantes online; b) quando larguei o cigarro; c) quando exclui minhas
contas nas redes sociais, especialmente meu Facebook.
Com relação ao jogos, foi fácil. O vazio foi bem repentino e não
durou quase nada. Com relação ao cigarro, a sensação foi muito parecida,
principalmente quando eu joguei o maço no lixo, mas também durou pouco e a associação
com a chupeta não durou muito, pois outro maço de cigarro estaria disponível na
próxima esquina, caso eu viesse a me arrepender (e muitas vezes “a próxima
esquina” aparecia algumas horas depois e lá estava eu fumando de novo. Tentei
parar algumas vezes e só consegui efetivamente em 2013 e estou livre dele até
hoje).
Porém com relação ao Facebook, item “C” acima, a sensação “chupeta”
ocorreu hoje, dia 12 de agosto de 2015, quando eu fui verificar se minha conta
já havia sido excluída, pois eu sabia que demoraria 15 dias para efetivar meu
pedido de exclusão, e eu não lembrava exatamente quando eu havia feito e
descobri que sim, ela já havia sumido do mapa, definitivamente, forever. E a
sensação voltou. A mesma da chupeta. Um vazio estranho, que quando somos
crianças de 3 anos choramos sem travas, mas agora, adultos moldados e limitados,
apenas sentimos. Eu queria excluir minha conta, precisava que ela sumisse, e de
fato estou bem sem Facebook, mas mesmo assim me senti mal por um longo período.
É estranho como os sentimentos simplesmente veem e não controlamos, apenas
podemos tentar entendê-los pra aprendermos a lidar com eles.
Definitivamente, hoje foi como reviver 1982. Foi jogar minha
chupeta no lixo. Foi relembrar que tenho capacidade de tomar decisões que não
tem como desfazer. Então, Face, pra você tenho apenas uma última mensagem:
Hasta la vista, Baby. E ao contrário da minha chupeta azul, não guardo nenhuma memória carinhosa de você, assim como não guardo dos jogos ou do cigarro. Mais uma página virada. Mais um tijolinho na minha desconexão.
Aguardem os próximos relatos.
É, meu caro, isso mostra o paradoxo desta existência nossa.... A sensação de vazio, mesmo que sem nenhum sentimento que a acompanhe...Simplesmente a coisa se foi, mas ocupava um espaço... que talvez pudesse ser ocupado por algo que despertasse sentimentos melhores, e talvez a sensação mais dolorosa de uma possível perda....Será que não é essa a doença da nossa atualidade? Procuramos substitutos das coisas realmente nobres porque não temos coragem de encarar uma possível perda das primeiras? A que se relacionaria uma outra falta de coragem, qual seja, a de assumirmos a finitude que nos é inerente? Daí possivelmente nos atermos a situações e coisas mais "infinitas" em sua inanimação, aos pixels, aos objetos, etc....O mundo dos objetos como a transformação de nosso medo de finitude....Assumir o ser finito e a finitude e a mutabilidade intrínseca das relações, mesmo as de amor e amizade mais profundos, talvez seja a mais corajosa das atitudes.....
ResponderExcluirConcordo, Romano, é por aí. Acho que esses "pixels", como você falou, servem principalmente pra substituir coisas mais nobres ou para fazer com que as pessoas fujam da realidade e se desliguem de uma vida que muitas vezes está repleta de frustrações. As redes virtuais servem pra essa fuga de uma realidade sem graça. Seria certamente melhor se as pessoas pudessem viver a vida real, ocupando o tempo gasto com os subterfúgios virtuais para viverem mais plenamente suas vontades, vocações e sonhos - por que não? - Porque o ser humano está pronto pra ser feliz, mas cisma em fugir disso.
ExcluirPosso compartilhar?
ResponderExcluirClaro, amor. Deve! :)
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