quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Uma novela digna da Bienal do Livro



Olá, pessoal. Primeiramente eu gostaria de me apresentar. Meu prenome é Chato e meu sobrenome é Chatice. Sou um autêntico herdeiro da família dos chatos e tenho orgulho de pertencer. Bom, sendo sincero, às vezes esta herança me causa alguns inconvenientes, pois seria melhor gostar de tudo e me incomodar menos com as coisas chatas da vida, mas de forma alguma sinto vontade de renegar meus laços familiares. Eu jamais poderia desdizer mamãe, que desde que eu era pequeno me dizia “você é um chatinho”. Ela tinha razão e até hoje agradeço de coração à mulher extraordinária que ajudou a construir o meu caráter fundamentado no que há de mais profundo na natureza da chatice.

E agora que todos vocês já sabem que este que vos escreve é um chato, – mais do que de carteirinha, mas de sangue – fiquem sabendo também que pouquíssimas coisas desta vida o agradam e que uma dessas poucas coisas – mesmo sem saber explicar muito bem o porquê – é a literatura.

Então aconteceu que o Chato Chatice, eu, resolvi visitar a Bienal do Livro no Rio de Janeiro. A decisão foi difícil de ser tomada porque, afinal, é chato sair de casa e perder um dia do final de semana com programas que me fazem sair da rotina, – rotina esta que, aliás, também é chata à beça – mas para ir à bienal valeria a pena... É um encontro literário que atrai pessoas de todo o Brasil, teria todos os títulos que eu poderia imaginar, uma oportunidade para conhecer meus amigos autores, enfim, eu tinha que ir.

A visita aconteceu no dia sete de setembro, aquele feriado chato de independência do Brasil, onde se faz uma palhaçada chata qualquer pra comemorar a data mais mentirosa da qual se tem notícia. E pra piorar, no dia sete de setembro deste ano ainda havia uns chatos protestando e quebrando tudo. Perdoem-me os que gostam de desfile militar – tocando Anitta ou não –  e os que gostam de manifestações populares, mas eu não gosto. Lembrem-se que eu sou um chato que não gosta de (quase) nada. Isto está no sangue, relevem, por favor.

Eu não queria ir sozinho, afinal, é chato sair sozinho de casa. Um mala de um amigo meu disse que ia comigo, mas furou com uma desculpa esfarrapada. Então a chata da minha mulher foi. (Amor, você é chata, mas eu te amo. Afinal, mulher de chato, chatinha é). E lá fomos nós... E assim começou a saga...

Quem já foi à Barra da Tijuca sabe como o trânsito de lá está cada vez mais deliciosamente chato. É uma “maravilha” demorar horas pra percorrer poucos quilômetros. Em dia de bienal, então, o trânsito simplesmente se transforma em algo tão chato que nem mesmo eu, o mestre da chatice, consigo descrever.

Era como se todos os carros do Rio de Janeiro, quiçá do Brasil, resolvessem passear na Barra, mais especificamente, passear nos arredores do Rio Centro. A vida de chatice me ensinou uma coisa: Murphy não criou uma regra – que admite exceções – ele criou uma lei e sendo lei, não há exceção, portanto, o inevitável aconteceu: o que já estava ruim piorou.

Quem me conhece sabe do meu sentimento pelo funk carioca... Contra este estilo de meia-música (considerem este adjetivo uma espécie de elogio), eu reúno todas as minhas forças chatídicas para abominá-lo até a exaustão. Aqueles que gostam de funk, peço mais uma vez que relevem minha chatice. Aliás, não relevem coisa nenhuma. Quem gosta de funk faça-me o favor de se mudar para Plutão e livrar os meus ouvidos desta mer...  Digo, desta meia-música (prometo que qualquer dia escrevo algo para explicar por que considero o funk uma – no máximo – meia-música).

Voltando ao assunto, o que já estava ruim, obviamente, piorou. As janelas do meu carro estavam fechadas, o rádio ligado em um bom volume e ainda assim eu fui fortemente importunado por um sujeito que ouvia às alturas meia-música em seu carro. Meu alento é que ele ficará surdo antes dos 50. Minha tristeza, desespero e agonia foi ficar 55 minutos e 47 segundos (isso mesmo, tempo contado. Só não deu pra pegar os centésimos, infelizmente.), só ouvindo aquela m... Meia-música. Eu não era capaz nem mesmo de ouvir minha mulher tagarelar (tudo tem um lado bom). Berrei para minha mulher e pela careta que ela fez, acho que ela ouviu:

– Se este filho de uma... Entrar na bienal, eu volto pra casa.

Era verdade, juro. Se aquela criatura fosse à bienal... Que tipo de lugar é esse que pessoas como aquela poderiam freqüentar? Não era possível um chato como eu – repito: mais do que de carteirinha, de sangue – ficar no mesmo ambiente que um energúmeno que escuta uma música que pede para que um poste caia na cabeça dele (essa foi a única meia-música que consegui entender a letra, acho que porque eu já a conhecia desde a adolescência, infelizmente). Eu olhava para os postes, os postes olhavam pra mim, eu olhava para os postes, os postes olhavam pra mim, eu olhava para os postes... E nem sequer um deles, nem unzinho, foi capaz de realizar o desejo do meio-cantor, infelizmente.

Eu tentava costurar o trânsito (meio-trânsito?) pra me afastar do inimigo, tentava ficar mais devagar até ouvir buzinas impacientes atrás de mim e nada disso fazia aquela meia-música se afastar. Era uma praga, uma doença, estava em todo lugar. Cheguei até mesmo a colocar a roda dianteira esquerda sobre o canteiro central pra fazer uma bandalha e voltar pra casa, mas a minha mulher docilmente disse que se eu fizesse aquilo ela faria dois meses de greve. Convenceu-me.

Se eu fui à bienal, então vocês já sabem, o funkeiro não foi. Em algum momento ele desapareceu. A sensação foi como contemplar um céu azul após uma tempestade. Cheguei à entrada do primeiro estacionamento e pra garantir (lembrem-se do Murphy) perguntei a um guarda se era ali mesmo. O mui amigo guarda municipal me informou que era ali sim, mas estava muito cheio e que seria melhor eu seguir um pouco (atentem-se, ele falou um pouco) mais à frente que havia um outro estacionamento mais vazio. Ótimo, obrigado.

O “um pouco mais à frente” do nosso guarda mui amigo, significou mais 37 minutos 49 segundos e 97 centésimos (isso mesmo, tempo contado. Só não consegui pegar os milésimos, infelizmente) de engarrafamento (dessa vez sem o funk, tudo tem um lado bom). E finalmente... Entrei no estacionamento! E vocês já sabem como é achar uma vaga em um grande evento ou num shopping e eu nem preciso entrar em detalhes sórdidos, não é mesmo? E se aquele papo do mui amigo de que o primeiro estacionamento estava muito cheio e que o “mais a frente” estaria vazio fosse verdade, eu sinceramente, de todo o coração, não quero nem imaginar como estava o primeiro.

Bom, foi difícil achar vaga, admito, foi duro chegar ao estacionamento, não contesto, mas pelo menos o estacionamento custava APENAS, nada mais, nada menos que R$ 18,00, eu disse DEZOITO REAIS. Tranqüilo, um preço justo e popular, digno de um evento cultural, não concordam? Mais barato que um táxi, eu acho, talvez, não sei, tenho dúvidas, não estou certo. O certo é que fui obrigado a pagar os dezoito reais. Paguei na saída, porque na chegada, a fila no guichê era um insulto.

E lá vamos nós entrar na bienal. Tem que pagar para entrar também? Sim, tem que pagar. Mais uma fila básica, aliás, básica porcaria nenhuma, uma fila desgraçada. Mas pelo menos o ingresso era baratinho... Baratinho? Mais uma piada. – Pausa para o Ctrl+C + Ctrl+V: nada mais, nada menos que R$ 18,00, eu disse DEZOITO REAIS. Tranqüilo, um preço justo e popular, digno de um evento cultural, não concordam?

Pagamos e entramos. Quem está na chuva é para se molhar. Depois de mais de duas horas do início da aventura, estávamos no pavilhão verde, corredor Q. Fui direto no estande Q29 onde eu sabia que estavam sendo vendidos livros de amigos meus que eu queria comprar para prestigiar, além de acreditar que os livros tinham um conteúdo que valeria a pena. Entretanto preciso também fazer aqui a minha crítica ao estande Q29. Não havia desconto nenhum, ZERO. Comprei dois livros e queria comprar um terceiro caso eu recebesse algum desconto, mas não rolou. Sem descontos, sem meus contos. Deixei de comprar um livro de fantasia que eu queria ler. E por falar em contos, os livros que comprei dos Ases da Literatura têm contos excelentes. Para quem se interessar, eu posso passar os pontos de venda.

Eu esperava também encontrar algum amigo ali no Q29, mas não encontrei ninguém. Infelizmente.

– Estou com fome, preciso comer – disse minha mulher.

Concordei. Paramos no primeiro quiosque que encontramos. Vendia pizza. Pedi duas fatias e dois refrigerantes. As fatias eram dois quadradinhos. Quando eu digo quadradinhos, não é porque é fofo falar no diminutivo, mas porque eram verdadeiros pedacinhos, muito pequenos, uma mistureba mal feita de mozarela, massa sem gosto e óleo de cozinha. Mas pelo menos era barato, certo? Vocês já sabem: ERRADO. Cada singelo quadradinho custava nada mais, nada menos que R$ 10,00, eu disse DEZ REAIS. Somando o gasto com os refrigerantes, lá se foram R$ 28,00 num lanchinho. Pelo preço, pelo paladar e pelo habitat, a sensação era de estar comendo um livro, literalmente.

Outra saga foi encontrar um lugar para comer sentado! De onde veio toda aquela gente esfomeada? Minha mulher quase saiu no tapa com uma velhinha para conseguir um lugar e como não havia um árbitro para decidir qual delas havia chegado primeiro, dividiram a mesa. A senhora era idosa, mas minha esposa está gestante. Fiquei de pé.

Devidamente (quase) alimentados, fomos explorar a tão falada bienal. Era gente pra tudo quanto é lado. Mas muita gente mesmo. Fiquei otimista ao ver tantas pessoas ali. Será que o Brasil tem jeito? Um povo que valoriza a cultura, é um povo feliz. Só que não. Estava absolutamente claro que grande parte estava ali só pra postar foto no Facebook pra dizer que foi. Mas nem vou entrar nesse mérito. Vamos mudar de assunto.

Meu objetivo então passou a ser um objetivo idiota: tirar uma foto no trono de ferro lá na editora Leya. Para quem não sabe, o trono de ferro é o símbolo central dos excelentes livros de fantasia de George R.R. Martin, As Crônicas de Gelo e Fogo. Quem não leu, recomendo fortemente que Leya, corrigindo, leia (piada de A praça é Nossa, mas não resisti). Cheguei ao trono e a fila dava voltas e mais voltas. Chega de fila por hoje. Maldita HBO que fez a série se popularizar. Deixa pra lá essa palhaçada de tirar foto no trono. Por favor, nunca é demais lembrar, relevem, eu sou o Chato Chatice. E agora peço que relevem mesmo, tudo bem, amigos? Nada de se mudarem para Plutão, senão eu vou ficar... Não, essa piadinha eu me recuso a fazer.

Entramos na editora Record, um estande gigantesco. Grande fila pra entrar, diga-se de passagem. Lá eu encontrei diversos livros interessantes e tinha uma boa promoção: compre 3 e ganhe 30% de desconto. Seria lindo, se não fosse a mais pura mentira. Os preços estavam inflacionados. Caros mesmo. Os livros que comprei (ah, eu tinha que comprar, não poderia ter ido à bienal sem comprar pelo menos uns cinco livros) estavam mais caros lá e com o desconto ficavam num patamar de preços facilmente encontrados numa busca no Bondfaro. Tudo ali era uma balela, um engana trouxa, engana eu.

Quando fui pagar os livros que escolhi, veio a “pegadinha”. Havia uma fila serpenteando o caixa e eu entrei no final dela para imediatamente ser cutucado pelo segurança da loja que apontou para fora do estande e disse:

– Amigo, o final da fila é lá fora.

– Desculpe, não sabia – Disse eu, enquanto seguia para o local correto.

O mui amigo segurança esqueceu de me preparar para o golpe que eu receberia ao olhar para fora. Havia nada mais, nada menos do que centenas, eu disse CENTENAS, de pessoas naquela fila. O estande deveria ter uns 30 metros ou mais de extensão e as pessoas davam três voltas pelo corredor que margeava o estande. Incrível! Foram 42 minutos 11 segundos, 68 centésimos e 746 milésimos (dessa vez tive que contar até os milésimos) naquela fila para comprar três livros. Depois disso só posso desejar que esses livros sejam os melhores livros já publicados na história humana.

– Amor, vamos para casa? – Perguntou minha esposa.

Eu juro que nunca ouvi nada mais doce e mais agradável dos lábios da minha amada. Nunca amei tanto minha mulher quanto naquele momento em que ela me convidou para voltarmos para casa. Só que para isso ainda precisávamos nos esgueirar pelos estandes, atravessar o pavilhão azul, depois o verde, desviar de milhares de pessoas alopradas que não sabem andar em linha reta, usar o banheiro (até que não tenho nada a reclamar dos banheiros. Tudo tem um lado bom) e depois, o mais importante: pagar o estacionamento!

A fila do estacionamento estava pequena (incrível!), somente umas trinta pessoas na nossa frente (o bom de ficar o dia inteiro em filas, que a gente acaba se acostumando). Mas havia um probleminha: apenas uma pessoa atendendo. Eu disse UMA pessoa atendendo. Nada mais justo, já que o estacionamento tinha um precinho popular, o evento não teria condições financeiras para arcar com gastos tão supérfluos como a contratação de mais pessoas para trabalhar nos guichês vazios, não é mesmo? Fiquei na fila por 17 minutos e... Desisti de cronometrar o resto porque, enfim, era hora de ir pra casa! E fui! Adeus bienal, adeus!

Amigos e mui amigos meus. Lembrem-se que me chamo Chato Chatice. Sou o tipo de pessoa que diz que ir à praia seria bom se não fosse o sol, a areia e a água salgada. Então Jamais, eu disse JAMAIS me chamem para voltar a uma bienal. Sinceramente, eu paguei (e caro) para ser sacaneado. Se forem lançar um livro, o façam numa livraria, eu vou e ainda compro. Se quiserem um encontro literário, combinamos em um café, ou outro lugar aprazível. Daqui pra frente eu continuarei comprando livros em qualquer lugar, mas em uma bienal? Na na ni na não... Nunca mais! Nem que a alternativa a isso seja ouvir meia-música para o resto da minha vida. Aliás, pensando bem, diante dessa difícil decisão, volto contente a uma bienal.

6 comentários:

  1. adoreeeeiiii voce é dos meus chato e sincero...olha eu sou uma chata tbm, mas adoro funk, axé e carnaval... que bom que voce foi la por mim e me avisou para me preparar quando eu for kkkk


    heheh sorry :P

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  2. Haaaa!!!
    Eis que segue o comentário do seu Amigo "MALA".
    Minha desculpa não foi esfarrapada, mas como todos já sabem é chato ficar dando desculpas pra Chatos. rsrsrsr
    Amigo ou EX-AMIGO, sei lá, eu queria muito ter ido com você a Bienal, mas infelizmente ou, depois do seu relato, felizmente dessa vez não consegui. Mas, se prepara que na próxima vez eu mesmo serei o "Mala" que lhe fará o irrecusável convite para irmos a tão louvável Bienal.

    Eu quero ter o gostinho de estar lá com você só para você não ter que passar o resto da sua vida escutando meia-música.

    Grande Abraço Meu Ex-AMIGO CHATO CHATICE

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    1. Boa Andrezinho, amigão!

      Você é um mala, mas mesmo assim este chato aqui ama você! hahaha

      Isso aí, nada de meia-música! :)

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  3. "Maravilhoso texto amigo, um cronista nato! Orgulho em lê-lo e ter assuntos filosóficos, poéticos e musicais contigo. Me orgulho e me impressiono de cada palavra, do sarcasmo embutido, da timidez esmagada pelo teu lirismo. Orgulho, não do tapinha nas costas dos medíocres... mas, um SALVE...
    EVOÉ! Eis mais um poeta à vista!!!
    Bons ventos Chernicharo. (ANDRE BARROS)

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    1. Grande amigo, irmão, poeta, artista, André Barros! Fico honrado com suas palavras. Ouvir isso me impulsiona a perseverar no caminho da arte, seja na música ou na literatura!

      Bons ventos para nós dois.

      Que os amigos eternos voem alto e voem juntos!

      Abraços!

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